terça-feira, 9 de abril de 2013

Desperdício: A data de validade dos alimentos

Estudando para um trabalho que preciso fazer, sobre segurança alimentar no Reino Unido, estou me deliciando com a leitura de um livro que se chama "Waste: uncovering the global food scandal" (Desperdício: revelando o escândalo global de alimento), do inglês Tristram Stuart. Tristam é freegan há mais de 10 anos, e este livro é de leitura obrigatória. Se alguma editora no Brasil se animar, eu me animo a traduzir. (Está a venda em inglês na Livraria da Travessa; vejam ele também no TedX).

Em cada capítulo, ele vai  contando um pouco sobre a cadeia produtiva de alimentos, passando pelos supermercados, sua relação com os fornecedores, e a nossa própria geladeira, o volume e as razões para muito do atual desperdício de comida no mundo. Tudo isso vem pela sua carreira e pela sua vivência como freegan (ele só come comida achada-procurada em lixos) desperdícios ou sobras deste sistema esquizofrênico em que vivemos.

Em um dos capítulos ele foca a questão da data de validade dos alimentos. Para quem não sabe, uma data de validade é quase sempre calculada a partir dos piores cenários de transporte e armazenagem, para garantir que ninguém terá piriri, infecção alimentar ou morrer depois de comer um alimento.

O problema é que depois da data de validade, um produto não pode mais ser comercializado, mesmo que o risco (teórico) não exista (na prática). Aqui no Reino Unido, a maior parte dos alimentos que está para vencer vai para prateleiras específicas com bons descontos (é onde costumo passar primeiro). Mas nem tudo vai para lá, e nem tudo que está lá será vendido. E nem por isso, essas comidas não estão boas.

Fato é que o medo e a crise de alguém doente são as MAIORES questões para quem trabalha com alimentos. Isso diz minha irmã (que trabalha com qualidade em hambúrgueres), os métodos de HACCP, a a crise da carne de cavalo (um escândalo no Reino Unido, esse ano). A reputação de uma marca depende mais disso do que das campanhas de publicidade que faz, ou das bugigangas plásticas colocadas em caixinhas felizes.

A questão é que o medo da morte-piriri e o cálculo da data de validade de um produto fazem toneladas de comidas serem jogadas fora diariamente. Se a indústria e supermercado não podem vender produtos fora de validade (por medo, marketing, e questões legais) você na sua casa pode usar do bom senso e avaliar um alimento antes de decidir jogá-lo fora só porque o rótulo mandou. Aprender a avaliar um leite, um iogurte, e até um pedaço de carne (pra quem o come) faz parte de saber comer. Não seja refém dos rótulos.

Mas fora tudo isso, felizmente, há debates até mesmo para a problemática da data de validade.Traduzo aqui um trecho (pág. 66) do livro de Tristam, em que ele cita a conclusão de um estudo do Food Marketing Institute, dos Estados Unidos.

"Se o Departamento (de agricultura americano) aplica os piores cenários de dosagem microbiana e manipulação de um produto para a definição dos padrões para proteger as populações mais susceptíveis (nota: em geral, crianças idosos e pessoas imuno-suprimidas), comida que poderia ser consumida pela maior parte da população será destruída. Fora isso, a data de validade baseada nos piores cenários leva a uma vida de prateleira de produto muito curta para permitir de maneira razoável sua distribuição, venda e consumo." (livre tradução)

O que eles querem dizer com isso, e eu, em partes concordo, é que com o argumento da segurança alimentar (da sanidade, não risco), deixamos de lado a outra segurança alimentar (de garantir a todos o acesso a boa e balanceada comida). São essas mesmas restrições que aparecem quando empresas são proibidas de doar alimentos a pessoas carentes ou instituições. Ao menos, este é o argumento que ouvimos por aí.

Ainda sobre a data de validade:
Aqui na Europa existem dois conceitos para data de validade.
  • No Reino Unido o "Best before" e "Use by". 
  • Na França: "Consommer de preference avant le" e "Consommer jusqu'a"
Os dois são iguais em conteúdo.
O primeiro "Melhor antes de" é usado para alimentos estáveis (enlatados, por exemplo) que não vão colocar sua saúde em risco (mesmo fora da validade). Em geral, o que acontece, é que eles perdem em sabor ou textura.
Já o segundo, "Consumir até" é para os produtos que não são estáveis microbiologicamente, e onde bactérias patogênicas podem se desenvolver, e te dar um piriri. Neste caso, há um risco com a segurança do alimento.

O debate sobre segurança (no sentido de não fazer mal) de um alimento é extenso, e iremos continuar debatendo-o. O queijo de leite cru, por exemplo, que dá à França o título de reis dos queijos, é proibido em muitos países (como os EUA), e é objeto de muita controvérsia também no Brasil. Mas isso, vai ser assunto pra outra prosa.

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